O Evangelho de Mateus

Este Evangelho, transmitido em grego pela Igreja, deve ter sido escrito originariamente em aramaico, a língua falada por Jesus. O texto actual reflecte tradições hebraicas, mas ao mesmo tempo testemunha uma redacção grega. O vocabulário e as tradições fazem pensar em crentes ligados ao ambiente judaico; apesar disso, não se pode afirmar, sem mais, a sua origem palestinense. Geralmente pensa-se que foi escrito na Síria, talvez em Antioquia ou na Fenícia, onde viviam muitos judeus, por deixar entrever uma polémica declarada contra o judaísmo farisaico. Atendendo a elementos internos e externos ao livro, o atual texto pode datar-se dos anos 80-90, ou seja, algum tempo após a destruição de Jerusalém.

AUTOR

Do seu autor, este livro nada diz; mas a mais antiga tradição eclesiástica atribui-o ao apóstolo Mateus, um dos Doze, identificado com Levi, cobrador de impostos (9,9-13; 10,3). Pelo conhecimento que mostra das Escrituras e das tradições judaicas, pela força interpelativa da mensagem sobre os chefes religiosos do seu povo, pelo perfil de Jesus apresentado como Mestre, o autor deste Evangelho era, com certeza, um letrado judeu tornado cristão, um mestre na arte de ensinar e de fazer compreender o mistério do Reino do Céu, o tesouro da Boa-Nova anunciada por Jesus, o Messias, Filho de Deus.

COMPOSIÇÃO LITERÁRIA

Mateus recorre a fontes comuns a Mc e Lc, mas apresenta uma narração muito diferente, quer pela amplitude dos elementos próprios, quer pela liberdade com que trata materiais comuns. O conhecimento dos processos e os modos próprios de escrever de Mateus são de grande importância para a compreensão do livro actual: compilação de palavras e de factos, de “discursos” e de milagres; recurso a certos números (7, 3, 2); paralelismo sinonímico e antitético; estilo hierático e catequético; citações da Escritura, etc..

DIVISÃO E CONTEÚDO

Apesar dos característicos agrupamentos de narrações, não é fácil determinar o plano ou estabelecer as grandes divisões do livro. Dos tipos de distribuição propostos pelos críticos, podemos referir três:

1. Segundo o plano geográfico: o ministério de Jesus na Galileia (4,12b-13,58), a sua actividade nas regiões limítrofes da Galileia e a caminho de Jerusalém (14,1-20,34), ensinamentos, Paixão, Morte e Ressurreição em Jerusalém (21,1-28,20).

2. Segundo os cinco “discursos”, subordinando a estes as outras narrações: resulta daí um destaque para a dimensão doutrinal e histórica da existência cristã.

3. Segundo o objectivo de referir o drama da existência de Jesus: Mateus apresenta o Messias em quem o povo judeu recusa acreditar (3,1-13,58) e que, percorrendo o caminho da cruz, chega à glória da Ressurreição (14-28).

Aqui, limitamo-nos a destacar:

I. Evangelho da Infância de Jesus (1,1-2,23);
II. Anúncio do Reino do Céu (3,1-25,46);
III. Paixão e Ressurreição de Jesus (26,1-28,20).

TEOLOGIA

Escrevendo entre judeus e para judeus, Mateus procura mostrar como na pessoa e na obra de Jesus se cumpriram as Escrituras, que falavam profeticamente da vinda do Messias. A partir do exemplo do Senhor, reflecte a praxe eclesial de explicar o mistério messiânico mediante o recurso aos textos da Escritura e de interpretar a Escritura à luz de Cristo. Esta característica marcante contribui para compreender o significado do cumprimento da Lei e dos Profetas: Cristo realiza as Escrituras, não só cumprindo o que elas anunciam, mas aperfeiçoando o que elas significam (5,17-20). Assim, os textos da Escritura neste Evangelho confirmam a fidelidade aos desígnios divinos e, simultaneamente, a novidade da Aliança em Cristo.

Nele ressaltam cinco blocos de palavras ou “discursos” de Jesus: 5,1-7,28; 8,1-10,42; 11,1-13,52; 13,53-18,35; 19,1-25,46. Ocupam um importante lugar na trama do livro, tendo a encerrá-los as mesmas palavras (7,28), e apresentam sucessivamente: “a justiça do Reino” (5-7), os arautos do Reino (10), os mistérios do Reino (13), os filhos do Reino (18) e a necessária vigilância na expectativa da manifestação última do Reino (24-25).

Desde o séc. II, o Evangelho de Mateus foi considerado como o “Evangelho da Igreja”, em virtude das tradições que lhe dizem respeito e da riqueza e ordenação do seu conteúdo, que o tornavam privilegiado na catequese e na liturgia. O Reino proclamado por Jesus como juízo iminente é, antes de mais, presença misteriosa de salvação já actuante no mundo. Na sua condição de peregrina, a Igreja é “o verdadeiro Israel” onde o discípulo é convidado à conversão e à missão, lugar de tensão ética e penitente, mas também realidade sacramental e presença de salvação. Não identificando a Igreja com o Reino do Céu, Mateus continua hoje a recordar-lhe o seu verdadeiro rosto: uma instituição necessária e uma comunidade provisória, na perspectiva do Reino de Deus.

Como os outros Evangelhos, o de Mateus refere a vida e os ensinamentos de Jesus, mas de um modo próprio, explicitando a cristologia primitiva: em Jesus de Nazaré cumprem-se as profecias; Ele é o Salvador esperado, o Emanuel, o «Deus connosco» (1,23) até à consumação da História (28,20); é o Mestre por excelência que ensina com autoridade e interpreta o que a Lei e os Profetas afirmam acerca do Reino do Céu (= Reino de Deus); é o Messias, no qual converge o passado, o presente e o futuro e que, inaugurando o Reino de Deus, investe a comunidade dos discípulos a Igreja do seu poder salvífico.

Assim, no coração deste Evangelho o discípulo descobre Cristo ressuscitado, identificado com Jesus de Nazaré, o Filho de David e o Messias esperado, vivo e presente na comunidade eclesial.

Formação Pastoral Bíblico-Teológico